Na prateleira, há várias opções, de acordo com o gosto e as possibilidades do cliente. A comparação parece cruel, mas, conforme a psicóloga Viviane Rogêdo, as pessoas têm se relacionado “como se o outro não asse de uma mercadoria descartável”, e o ato, cada vez mais frequente, de acionar a tecla de bloqueio nas redes sociais estaria intimamente relacionado à essa lógica mercantilista, gerando “um ciclo de intolerância e superficialidade” que responde, em parte, pela atual polarização. “Não é algo saudável, e vai trazer, certamente, muitas consequências emocionais, tanto para quem bloqueia quanto para quem é bloqueado, porque é uma opção drástica”, afirma Viviane.

A a Danielle Rezende, 42, ou por uma experiência que comprova a fala da especialista. Ela conta que, “após um desentendimento banal”, uma amiga de longa data decidiu bloqueá-la no aplicativo de conversas do celular, e não quis saber mais de papo. Danielle até pensou em contatá-la por outros meios, mas, diante do “choque da atitude” da outra pessoa, cedeu à impotência e sentiu a autoestima afetada. “Fiquei me sentindo a pior pessoa do mundo, como se eu tivesse feito uma coisa terrível, que merecesse aquela punição de ser excluída da vida dela”, declara Danielle.

Por outro lado, Alexandre Lopes, 36, formado em Tecnologia da Informação, ite que bloqueou parentes de suas redes sociais “para evitar dor de cabeça”, em razão de posicionamentos ideológicos opostos que ficaram à flor da pele durante as últimas eleições presidenciais, quando Lula derrotou Jair Bolsonaro por uma margem apertada de votos. “É melhor evitar o desgaste, essas pessoas não estavam acrescentando nada à minha vida, pelo contrário, só traziam estresse e desilusão”, justifica Alexandre.

No entanto, a psicóloga Viviane Rogêdo alerta que “escolher o caminho mais fácil nem sempre trará o melhor resultado”. “Não encarar a pessoa, não dizer o que me incomodou e bloqueá-la na internet é mais rápido, mas não resolve o problema”, pondera. Utilizando um ditado antigo, seria como “varrer o problema para debaixo do tapete”.

Ou, ainda, “colocar panos quentes na situação, e, uma hora, isso vai explodir”. “Nós somos seres sociais, isso vem desde os primórdios da nossa história, e precisamos resgatar a capacidade de ter relações que, mesmo divergentes, não fiquem restritas à superficialidade e ao rótulo de meras mercadorias descartáveis”, diz Viviane. 

Efeitos

Entre o alívio e a culpa, a psicóloga constata que o primeiro sentimento costuma ser dominante naqueles que decidem bloquear “desafetos” nas redes sociais. “Muitas pessoas que bloqueiam o outro é no sentido de mostrar, tem uma questão de embate. De determinar quem controla a relação, principalmente quando ela é amorosa. Às vezes, a pessoa bloqueia na intenção de manter a dependência emocional da outra”, analisa Viviane, que sustenta que “a rejeição gera dependência emocional”. “Inconscientemente, algumas pessoas bloqueiam com a intenção de manter a outra nesse ciclo de dependência emocional, propiciando esse efeito looping”, complementa.

O perigo dessa atitude é que, segundo a psicóloga, “as consequências emocionais podem ser críticas para quem é bloqueado e, além de rejeitado, se sente abandonado”, o que pode agravar, inclusive, quadros de depressão. Por não ter sequer a chance de uma réplica, o bloqueado pode se perder em um turbilhão de perguntas sem resposta, machucado “pela falta de afeto e consideração do outro”, sublinha a especialista.

No topo da lista dos bloqueios mais traumáticos estariam os relacionados à amizade e aos relacionamentos amorosos, bastante comuns em términos que não têm o consenso de ambas as partes. Nesses casos, o bloqueio seria a forma de calar a insatisfação alheia.

“Muitas vezes, as pessoas se mantêm nas redes sociais principalmente para reforçar os laços com amigos e namorados. Inclusive, muitas relações são assumidas oficialmente nesses espaços virtuais”, destaca a psicóloga. Logo, o peso de um bloqueio virtual seria cada vez mais forte, posto que, “para essa geração, é de suma importância a validação através das redes, tanto quanto era no mundo físico antigamente”. “As pessoas não estão mais diferenciando o real do virtual”, enfatiza Viviane, que apresenta várias ressalvas com essa nova dinâmica dos relacionamentos. 

“As pessoas manipulam as relações e tudo fica muito superficial, inclusive a comunicação, e isso afeta não só o nível emocional, mas também o cognitivo. As pessoas ficam menos inteligentes mesmo, e com pouquíssima habilidade de entrar em contato com o outro, com o diferente, com as nossas próprias questões, existe uma lacuna grande de autoconhecimento”, critica. Apesar disso, ela considera que, “em casos de abuso, assédio e violência”, o bloqueio é, sim, uma ferramenta necessária, “para se preservar a própria integridade física, psicológica e mental e evitar gatilhos…”.

Pressão social pode gerar perda de identidade

Na opinião da psicóloga Viviane Rogêdo, um dos efeitos deletérios de terceirizar o âmago das relações para o mundo virtual é a perda de identidade, amplificando, por exemplo, o sentido de um bloqueio nas redes sociais. “As pessoas estão assumindo um personagem por conta da pressão social, e, às vezes, bloquear e ser bloqueado a a ter mais a ver com o outro do que consigo próprio”, salienta a especialista, que entende que “é preciso se fortalecer para lidar com frustrações advindas das redes sociais, inclusive o tal ‘block’”.

“A pessoa se torna refém de ter tantas conexões, tantos contatos, e, muitas vezes, a pessoa que a bloqueou nem tem uma importância real na sua vida, mas, naquele contexto de rede social, a perda de um seguidor impacta negativamente a autoestima da pessoa, e ela mesma acaba se perdendo, deixando de saber quem ela é”, arremata.